Meninas negras têm menos acesso ao ensino remoto do que meninos e meninas brancas, revela estudo

Pesquisa do Geledés – Instituto da Mulher Negra aponta aprofundamento das desigualdades no município de São Paulo, com recorte de raça, cor e gênero, no contexto da pandemia

 

As meninas negras têm menos acesso ao ensino remoto do que qualquer outro grupo de estudantes (meninos brancos e negros, e meninas brancas, majoritariamente) no município de São Paulo.

É o que revela a pesquisa “A educação de meninas negras em tempos de pandemia: O aprofundamento das desigualdades”, produzida pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra e divulgada na última semana.

Quase 40% das meninas negras entrevistadas pelo instituto não tiveram acesso aos materiais didáticos durante a pandemia. Todos os meninos brancos ouvidos pelo estudo tiveram este acesso.

A falta de equipamentos para a realização das atividades, o acesso aos materiais didáticos e o despreparo para acompanhar o ensino remoto atinge todas as famílias, mas, como indica a pesquisa, têm maior reflexo sobre as famílias negras e as meninas negras.

A pesquisa mostra que as famílias participantes da pesquisa reafirmam a hipótese de que gênero e raça incidem sobre o impacto da pandemia na vida de estudantes. Alguns dos principais motivos para isso são: sobrecarga de tarefas domésticas; trabalho; vulnerabilidade social; desigualdades; baixa autoestima; violência; racismo; sexismo. 

Por outro lado, nenhuma das famílias brancas entrevistadas aponta como dificuldade “aumento dos conflitos e/ou situações de violência intrafamiliares”, “diminuição do número de refeições realizadas pelos membros da família”, “mudança ou perda de residência/território”, “membros da família contaminados e/ou falecidos pela Covid-19”, problemáticas essas que afetaram apenas as famílias negras e inter-raciais entrevistadas, aponta a pesquisa.

Segundo Suelaine Carneiro, coordenadora da pesquisa e integrante da rede da Campanha, a pesquisa expõe a permanência de estereótipos em relação às meninas negras, em especial ao terem que lidar com a carga de trabalho doméstico, em razão das suas famílias (mais pobres) precisarem sair para trabalhar e elas precisarem ser as únicas a ter que assumir essas responsabilidades. 

“Há, sim, um aprofundamento das desigualdades. A gente tem que pensar em políticas públicas que focalizem ações que garantam igualdade de condições para as crianças, já que temos dados suficientes que revelam as condições das/dos estudantes negras/os, e isso não pode ser ignorado ao tomar como solução para esse momento a educação remota, frente aos custos que ela tem”, diz Suelaine.

“[Há também] os limites do ensino em casa. Todo o conjunto de participantes da pesquisa demonstra que há muita insegurança no retorno às aulas e a grande maioria diz que a educação remota no ano de 2020 não aconteceu [para elas/eles].”

As entrevistas foram feitas com 105 famílias, totalizando 372 pessoas (69,52% são negras, 10,48% brancas e 20% inter-raciais). Em relação à composição das famílias, 74,29% são formadas por homens e mulheres, 23,81% por apenas mulheres e 1,9% por apenas homens.

No total, cerca de 1/4 dos estudantes representados na pesquisa sequer receberam materiais didáticos impressos. Um terço das/dos estudantes não realizam as atividades escolares, não têm horário reservado para estudo e não têm espaço adequado para estudo.

Considerando a totalidade das pessoas entrevistadas, a pesquisa mostra que a educação a distância é inadequada para a realidade de mais da metade das famílias e a maior parte das pessoas adultas não se sente totalmente preparada para auxiliar crianças e adolescentes.

Os docentes, que também foram ouvidos, acreditam quase em sua totalidade que o modelo de ensino remoto implementado no município é inadequado, também pela falta de equipamentos fornecidos. Aproximadamente 1/3 dos docentes não têm conexão banda larga para acessar a Internet em suas residências e não têm equipamentos adequados.

O Guia dos Guias COVID-19, produzido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, trata das desigualdades trazidas pelo ensino remoto na pandemia e faz 12 recomendações para que sua implementação seja feita de acordo com os preceitos do direito à educação. 

Leia o estudo do Geledés na íntegra e veja a apresentação da pesquisa no canal do instituto no YouTube.

(Imagem: Divulgação/Geledés - Instituto da Mulher Negra)