A educação mineira e suas dificuldades para o retorno das aulas presenciais

"Não há possibilidade de garantir nenhum outro direito se a vida não estiver assegurada", diz o Comitê Mineiro da rede da Campanha

 

Por Comitê MG da rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

A crise provocada pela pandemia do Coronavírus, que se iniciou em março de 2020, transformou e interrompeu a vida escolar de milhões de estudantes brasileiros. 

Com o objetivo de proteger a vida dos estudantes e suas famílias, bem como dos profissionais da educação, quase todos os sistemas educacionais suspenderam, em momentos distintos, as atividades escolares presenciais devido ao alto risco de contágio e à disseminação do vírus. A avaliação maciça das diversas comunidades escolares do país foi que a medida foi essencial para evitar o contágio ainda mais desenfreado da doença.  

Contudo, desde o final do ano passado, assistimos perplexos a uma investida de diversos setores, ligados mais fortemente aos interesses econômicos,  para a reabertura das escolas. Esse movimento orquestrado nacionalmente, de pressão pelo retorno das atividades presenciais, está cada vez mais intenso, a despeito de toda a situação que estamos vivendo: aumento da taxa de contaminação e do número de mortes, diminuição no número de leitos, novas variantes circulando em todo o Brasil e internação mais frequente de crianças e adolescentes. 

Em Minas Gerais, o mesmo governo estadual - que até o novembro de 2020, vociferava publicamente que se dependesse da vontade do executivo, o retorno às atividades educacionais presenciais seria imediato - teve que, no dia 17 de março de 2021, impôr o incremento nas ações de  isolamento social (denominada de onda roxa) a todos os municípios mineiros, em função do crescimento quase exponencial dos índices da pandemia em Minas Gerais. Nessa nova fase, as medidas são mais restritivas, incluindo o toque de recolher,  redução do horário das atividades do terceiro setor, para tentar conter o avanço da COVID-19. Ainda assim, o retorno às atividades escolares presenciais continua na pauta do governo. Recentemente, foi apresentado um novo protocolo para o retorno, com critérios a serem seguidos pelas escolas.     

A ofensiva pelo retorno presencial a qualquer custo não leva em consideração a garantia ao direito primordial que é o direito à vida. A escola, lugar de proteção e cuidado não pode se tornar o lugar do medo e do risco. Em quase todo o mundo, mesmo nos países em que o combate à pandemia ocorre e/ou ocorreu de forma melhor organizada, onde houve a retomada das atividades educacionais presenciais, nesse momento, ocorreu o aumento das taxas de contaminação, internação e óbitos. 

É um erro crasso, ou uma intencionalidade nefasta, atacar todos/as aqueles que não concordam com o retorno às atividades presenciais, nas condições atuais da proliferação da doença, em destaque os profissionais da educação.

 O direito à educação é um pilar da nossa Constituição. A escola é um espaço de acolhimento, sociabilidade, aprendizagem de conhecimentos e proteção social. A escola é importante do ponto de vista pedagógico, social e político. A importância da escola é um consenso entre os docentes. No entanto, essa urgência pelo retorno não pode se sobrepor à segurança, saúde e vida de milhares de pessoas. O Brasil está batendo recorde de média móvel de mortes, nas últimas semanas. Nesse cenário, um novo Ministro da Saúde assume, sendo o quarto da pasta, prova da ineficiência ou de uma sequência de erros do Governo Federal.

    O controle da pandemia é requisito primordial para o retorno e, nesse momento, temos um descontrole pandêmico. É necessário ter condições estruturais das escolas, monitoramento, testagem e vacinação amplas para um retorno seguro. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, aborda em seu Guia dos Guias sobre a reabertura das escolas, recomendações fundamentais para um processo de retorno às aulas presenciais, para além dos protocolos de segurança recomendados pela saúde.  

E quais os caminhos foram percorridos pelos governos para uma reabertura segura? O Governo Federal efetivamente nunca desenvolveu uma política articulada de enfrentamento à pandemia e por isso fracassou no controle da pandemia. A incapacidade do governo de gerir a pandemia no Brasil e de diminuir a crise sanitária, fica cada vez mais evidente. O Governo Federal incentiva, frequentemente, a desinformação da população sobre a COVID-19, propôs e financiou tratamentos considerados ineficazes por cientistas e entidades internacionais, omite dados sobre casos e mortes, menosprezou a gravidade da doença, além de criticar e negar a importância da vacina.     

É notório que a pandemia traz consequências difíceis que comprometem a saúde física e mental das crianças e adolescentes. Quanto mais tempo dura, mais se agravam. Contudo, a escola não pode ser responsabilizada por todo esse adoecimento e nem vista como a salvação de todos os problemas. Acompanhamos há anos o desmantelamento e descaso com políticas públicas de assistência e saúde. Sendo assim, não é correto jogar a responsabilidade da ausência de políticas públicas nos professores, em especial da rede pública. É essa categoria que, diariamente, luta por uma educação pública e gratuita de qualidade.

A construção de um planejamento com o diálogo permanente de diversos setores é urgente. É necessário um debate público e democrático na construção das possibilidades que a educação pode oferecer, seja nessa fase da pandemia ou posterior a ela. Coordenar uma agenda que garanta o direito à educação e o acesso ao conhecimento a todos é fundamental, durante e pós pandemia. Para garantir esse direito, é necessário investimento. A pandemia não pode ser justificativa para reduzir gastos com a educação, como vem ocorrendo.

Independente do retorno presencial ou híbrido que ocorrerá, e espera-se que seja em um momento seguro, em que a ampla maioria da população esteja vacinada e a pandemia controlada, é necessário que os governos invistam e garanta, imediatamente, acesso à internet, a equipamentos e ao mundo da comunicação para nossos jovens e profissionais, para que esses tenham condições de estarem sintonizados nesse novo tempo, no qual o ensino remoto é a única possibilidade. A democratização do acesso à tecnologia é uma luta imprescindível. O governo federal, estadual, bem como a prefeitura da capital mineira, pouco ou nada fizeram, nesse sentido, mesmo com todas as recomendações de especialistas. A exclusão digital é uma realidade e as consequências são graves. A desigualdade educacional está se impondo nesse momento, com a exclusão escolar, além da exclusão de outros direitos fundamentais, como a alimentação e proteção.  

Cabe destacar, no entanto, que a necessária interrupção das atividades presenciais, não pode servir de argumento para a privatização e precarização da educação, através do ensino remoto. E, nesse sentido, observa-se as medidas gerenciais do estado de Minas Gerais, visando implementar concepções empresariais na educação, bem como avanços no processo de privatização e “voucherização”. O ensino remoto deve ser pensado e construído com os docentes, em suas redes de ensino, juntamente com o poder público. Não é aceitável entregar a educação não mãos de empresários que visam o lucro e concebem a educação como mercadoria.     

Por fim, ressalta-se que para além da urgência educacional que a complexidade do momento impõe, é necessário reforçar que a luta pelo direito à educação é indissociável da luta pelos direitos humanos. E o direito humano primordial é a vida. Não há possibilidade de garantir nenhum outro direito se a vida não estiver assegurada.

(Foto: Sarah Torres/ALMG)