Sociedade civil mundial alerta sobre a continuação de políticas de austeridade do FMI mesmo em meio à pandemia
Mais de 500 organizações da sociedade civil do mundo todo, incluindo a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, assinam documento que repudia a manutenção de políticas de austeridade fiscal via programas de empréstimo condicionados pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). Leia a carta abaixo e conheça todas as entidades signatárias aqui (documento em inglês).
*
Os signatários desta carta exigem que o FMI (Fundo Monetário Internacional) pare imediatamente de promover austeridade no mundo e, em vez disso, apoie políticas que gerem avanço em agendas como justiça de gênero e redução de desigualdade, e que coloquem, decisivamente, as pessoas e o planeta em primeiro plano.
Como aqueles que acreditam na capacidade de governos de respeitar direitos humanos e promover progresso em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, nós expressamos máxima preocupação quanto à recomendação do FMI para que países voltem à austeridade assim que a crise atual perca força.
Esta pandemia expôs as repercussões letais geradas por investimentos precários em saúde, educação e proteção social, tendo como mais afetados as populações marginalizadas incluindo mulheres, idosos, minorias raciais e étnicas, trabalhadores informais e famílias de baixa renda.
A crise também jogou luz no encolhimento das classes médias e no aprofundamento do fosso social entre ricos e o pobres. O FMI disse repetidamente sobre a necessidade de uma retomada justa e sustentável. Disse que desigualdades econômicas e de gênero, mudanças climáticas e má governança podem enfraquecer o crescimento e prejudicar a estabilidade. Desenvolveu nos últimos anos orientações operacionais para suas equipes de trabalho incorporando análises de gênero e desigualdade econômica e aceitando uma lógica macroeconômica para o gasto social.
Tudo isso poderia sugerir que o FMI está pronto para usar sua influência e autoridade para apoiar países na redução de desigualdades. Contudo, apesar dessa retórica e dos seus próprios alertas sobre o agravamento da desigualdade, o FMI já começou a prender países em novos programas de empréstimo de longo prazo, condicionados por austeridade, nos últimos meses.
Além do aspecto da condicionalidade dos programas recentes, percebemos que um número significativo de pacotes financeiros emergenciais da pandemia de COVID-19 contém linguagem que promove consolidação fiscal na fase de recuperação. E com governos sofrendo para pagar dívidas crescentes dos serviços públicos e esperando continuar a precisar de níveis extraordinários de financiamento externo nos próximos anos, os programas de empréstimo do FMI - e as condições que os acompanham - têm um papel altamente influente na definição do cenário econômico e social do pós-pandemia.
Austeridade conduzida por consolidação fiscal apenas agravaria pobreza e desigualdade, e prejudicaria a concretização de direitos econômicos e sociais. As próprias pesquisas do FMI corroboram isso. Em inúmeras vezes, consolidações fiscais rígidas e rápidas condicionadas pelos programas do FMI têm significado cortes devastadores em investimentos em saúde e educação, perdas de aposentadorias e proteção social conquistadas arduamente, congelamento de salários de servidores públicos, desemprego e cargas de trabalho exaustivas e não pagas de assistência social.
Em todos esses casos, são as comunidades mais vulneráveis que aguentam a parte mais pesada das reformas, enquanto a elite, as grande corporações e os credores aproveitam seus benefícios.
Além dos impactos diretos, a consolidação fiscal não garante recuperação econômica e a criação de novos empregos. E uma rápida consolidação pode, ao contrário, aprofundar a crise. Nem vai entregar uma transição justa rumo a economias resilientes ao clima também. Em vez dos cortes de austeridade, é crítico criar um espaço fiscal e dar tempo aos governos, dar flexibilidade e apoio para alcançarem uma recuperação sustentável, inclusiva e justa.
São necessárias medidas imediatas e urgentes para apoiar a saúde financeira dos países por meio de subsídios ou outras formas financeiramente concessionais, apoio ao cancelamento e à reestruturação de dívidas, e criando uma nova alocação para os Direitos Especiais de Saque.
Esforços de médio e longo prazo para recuperação devem, no entanto, continuar a promover mais espaços políticos e fiscais que permitam aumento, em vez de redução, do gasto social, além de medidas de tributação progressiva que arrecadem receita suficiente e redistribuam riquezas de forma justa.
Isso significa uma avaliação sistemática dos impactos das reformas fiscais no que se refere a desigualdades econômicas e de gênero; e recusar as reformas que tiveram impactos sociais negativos.
Significa negociar acordos de forma transparente com contribuições de uma série de tomadores de decisão, incluindo a sociedade civil, em um diálogo social nacional. Significa recomendar e promover reformas tributárias progressivas tais quais as que incidem sobre renda e lucros excessivos de grandes corporações, combatendo significativamente evasão e elisão fiscais e fluxos financeiros ilícitos.
Significa apoiar sistematicamente governos que reestruturem suas dívidas de modo que possam priorizar investimentos em serviços públicos de qualidade. A economia mundial fica entre duas escolhas: mais décadas crises de austeridade e dívidas; ou a adoção de uma lógica macroeconômica compatível com o combate à desigualdade, buscando justiça climática, concretizando direitos humanos e alcançando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis.
Antes dos encontros anuais do FMI em 2020, exigimos que o Fundo não repita erros do passado e finalmente encerre, de uma vez por todas, o sombrio capítulo do FMI que condiciona a austeridade.
(Tradução: Renan Simão)
(Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)