Relatoria Especial da ONU para o direito à educação aponta “desmantelamento das políticas públicas” no Brasil

Recomendações indicam políticas de austeridade como causa para resposta insuficiente em enfrentamento da pandemia

A mais alta avaliação independente sobre o direito à educação das Nações Unidas aponta que “cortes no financiamento e a contenção de gastos públicos levaram a um desmantelamento das políticas públicas” do Brasil.

Recomendações da Relatoria Especial da ONU para o direito à educação afirmam que políticas de austeridade enfraqueceram resposta brasileira à pandemia de COVID-19.

“Medidas de austeridade e cortes no orçamento dos sistemas públicos de ensino enfraqueceram a capacidade de administrar a crise educacional e garantir a proteção a todos. Por exemplo, no Brasil, cortes no financiamento e a contenção de gastos públicos levaram a um desmantelamento das políticas públicas, fazendo com que stakeholders não atuassem de maneira forte e urgente em resposta à pandemia. Em contraste, países que investiram na proteção de direitos econômicos, sociais e culturais, os quais estabeleceram cooperação e confiança na sociedade civil, estão melhores equipados para responder às crises”, diz o relatório temático 2020, sobre o impacto da COVID-19 na educação, apresentado na 44ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na última sexta, 03/07.

Acesse o relatório na íntegra aqui. E assista à live da Campanha com a Relatora contextualizando o relatório.

O relatório faz uma série de recomendações para cada contexto local, todas na direção de mitigar o agravamento de desigualdades e discriminações.

O documento busca oferecer um redirecionamento de rumos para reparar as discriminações causadas pela ineficácia de políticas públicas - o que fragiliza o enfrentamento da pandemia -, assim como para reabrir as escolas com mais segurança e com base em direitos.

Boly Barry recomenda, em seu relatório, que devem ser realizadas:

●       uma avaliação minuciosa para compreender, em cada contexto local, a dinâmica em jogo que levou ao aumento da discriminação na realização do direito à educação durante a crise, incluindo uma análise das crescentes desigualdades devido às medidas adotadas para enfrentar a pandemia;

●     uma investigação sobre a sustentabilidade dos modelos econômicos e financeiros por trás dos sistemas de ensino, incluindo as consequências do baixo financiamento das instituições públicas de ensino;

●       uma análise do papel dos atores privados na educação, já que considera que a chegada massiva de atores privados por meio da tecnologia digital representa um grande perigo para os sistemas educacionais e o direito à educação a longo prazo, e deve ser controlada de acordo com os padrões existentes, incluindo os Princípios de Abidjan;

●       uma avaliação da adequação da proteção social oferecida aos trabalhadores da educação, inclusive no setor privado;

●       e escrutínio da falta de cooperação entre as administrações dos Estados, instituições educacionais, professores, alunos, pais e comunidades, de forma a garantir gestão democrática e, portanto, participação nos processos decisórios.


O documento enfatiza também que a implementação da Educação a Distância durante a pandemia deve ser vista apenas como “solução temporária”.

“A digitalização da educação”, escreve Barry, “nunca deve substituir a educação presencial, e a enorme entrada de atores privados ligados à tecnologia digital deve ser considerada um grande perigo para os sistemas educacionais e ao direito à educação de todos no longo prazo.”

A relatora acrescenta que “fracassos passados em construir sistemas de ensino fortes e resilientes em combater desigualdades abriram uma porta para um impacto dramático nas vidas dos mais vulneráveis e marginalizados”.

Contribuição da Campanha
A relatoria da ONU para o direito à educação convidou a Campanha Nacional pelo Direito à Educação para enviar subsídios e recomendações que compuseram relatório divulgado nesta sexta-feira (3/7) sobre o impacto da pandemia de COVID-19 no direito à educação.

Em página sobre o tema, a relatora Boly Barry lista a Campanha entre as organizações que tiveram contribuições incorporadas no relatório.
Acesse aqui, em inglês, a íntegra das contribuições enviadas pela Campanha.

“Enviamos uma lista de preocupações sobre o impacto da COVID-19 para a educação, assim como quadro de recomendações com base em quatro dimensões deste direito: disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e adaptabilidade. Todas foram incorporadas ao texto da relatora”, afirmou Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que elaborou o documento enviado, contando com a colaboração de Catarina de Almeida Santos, integrante do Comitê Diretivo da Campanha.

O documento também utiliza nota técnica produzida pela entidade para contextualizar mobilização brasileira no cenário global. Citando as manifestações em 2019, impulsionadas pelo corte de investimentos em educação promovido pelo Governo Bolsonaro, o relatório indica análise da Campanha sobre as motivações da mobilização e as ameaças à educação brasileira naquele momento - as quais, em grande parte, permanecem e se aprofundam.

Boly Barry indica como outra referência informe da própria ONU destacando que o Brasil deve abandonar as políticas de austeridade pois “colocam milhões de vidas em risco”. Especialistas em direitos humanos da ONU pediram em maio deste ano a revogação da Emenda Constitucional 95 (Teto de Gastos) e outras medidas de austeridade “contrárias ao direito internacional dos direitos humanos”.

Mais informações

Renan Simão, assessor de comunicação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
11 95857-0824
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