Além de inconstitucional, educação domiciliar traz riscos a crianças e adolescentes, dizem 35 organizações em nota técnica
Nota técnica reforça inconstitucionalidade da educação domiciliar e aponta seus riscos para a proteção de crianças e adolescentes. É o que a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e o FNPETI (Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil), entidades que coordenam a plataforma Cada Criança – braço nacional da iniciativa global 100 Milhões por 100 Milhões de combate ao trabalho infantil – avaliam quanto à emenda 26 à Medida Provisória 934/2020, apresentada em 01 de abril de 2020, que dispõe sobre as normas excepcionais sobre o ano letivo da educação básica e do ensino superior decorrentes das medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde pública de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
A nota é subscrita por outras 33 entidades parceiras, muitas integrantes da plataforma Cada Criança. Leia a nota técnica, na íntegra.
Se baseando nos artigos 205 e 208 da Constituição Federal de 1988, a nota afirma que a Constituição atesta a obrigatoriedade da educação escolar. “A educação é dever compartilhado do Estado e da família, mediada pela sociedade. E por uma série de razões, especialmente ligadas à educação emancipatória e crítica e à proteção de direitos, o dever do Estado de ofertar a educação básica pública não pode ser confundido com o papel, distinto, que cumprem as famílias”, afirma Andressa Pellanda, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e integrante do Comitê Gestor da Cada Criança.
Leia na nota técnica considerações também sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e a Lei do Plano Nacional de Educação que vão na mesma direção de que, “em síntese, não somente não existe amparo legal para prática da educação domiciliar no país, como também não há viabilidade de implementação e/ou regulação desta modalidade de forma a assegurar as previsões legais, muito menos nesse momento de pandemia.”
O documento também ressalta que a educação domiciliar, “para além de caminhar na contramão do arcabouço legal existente hoje para a garantia do direito à educação, ainda, apresenta outros sérios riscos para a proteção da criança e do adolescente”. A menção aos riscos se baseia nas altas taxas de violência e abuso sexual e de trabalho infantil acontecem dentro do ambiente familiar.
(Foto: Pixabay)
De acordo com dados do Ministério da Saúde, 68% dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes acontece em ambiente doméstico. E a maioria das vítimas de violência sexual são crianças e adolescentes (de 0 a 17 anos de idade) e do sexo feminino.
Com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, a nota técnica mostra que a cada hora, quatro meninas de até 13 anos são estupradas. E que 66% das crianças do sexo masculino estupradas no país tem entre zero e 15 anos de idade.
Segundo dados do Disque 100, evidenciou-se que mais de 70% dos casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes são praticados por pais, mães, padrastos ou outros parentes das vítimas.
Sobre o trabalho doméstico infantil, a nota técnica aponta que sua tipificação consta da Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Decreto 6.481, de 12 de junho de 2008). “Do universo de 2,4 milhões de trabalhadores infantis, 1,7 milhão exerciam também afazeres domésticos de forma concomitante ao trabalho e, provavelmente, aos estudos. É importante destacar ainda que o trabalho infantil doméstico ocorre principalmente entre as meninas negras”, salienta a nota técnica, com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD 2016/IBGE).
O contexto de pandemia da COVID-19 agrava este cenário, diz a nota, pois, de acordo com informações do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, “as chances de esses casos aumentarem nesse momento de pandemia e de distanciamento social nos domicílios já são elevadas. Caso se autorize a educação domiciliar, o risco se agrava pois são reduzidas ainda mais as perspectivas de contrapesos para controle, identificação ou proteção dessas crianças e adolescentes.”
“A Escola deve se configurar como um espaço de confiança e de acolhimento para crianças e adolescentes, e sobretudo de prevenção e enfrentamento às violências”, afirmam as entidades.
Regulamentar a prática da educação domiciliar pode agravar os casos de exploração, abusos e violências contra crianças e adolescentes. “É priorizar a agenda de uma minoria - em muitos casos fundamentalista - em detrimento do direito da maioria. É, portanto, extremamente irresponsável do ponto de vista não somente da educação como também da proteção da criança e do adolescente”, conclui Andressa.
Assinam a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e subscrevem as organizações integrantes da plataforma Cada Criança e parceiras:
1. Ação Educativa
2. Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
3. Associação Cidade Escola Aprendiz
4. Associação dos Professores da UFPR
5. Avante - Educação e Mobilização Social
6. Biblioteca Comunitária Clementina de Jesus (RBCS/RNBC)
7. CCLF - Centro de Cultura Luiz Freire
8. CEDECA/CE - Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará
9. CENPEC - Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária
10. CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
11. Fineduca - Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação
12. Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil de Sergipe
13. Fórum Permanente de Educação Infantil do Espírito Santo
14. Fundação SM
15. Geledés Instituto da Mulher Negra
16. Gestos - Soropositividade, Comunicação e Gênero
17. Grupo de Trabalho da Agenda 2030 no Brasil
18. Instituto Defesa da Classe Trabalhadora
19. Instituto Democracia Popular
20. IDDH - Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos
21. Inesc - Instituto de Estudos Socioeconômicos
22. Instituto Paulo Freire
23. Mais Diferenças
24. MJPOP - Monitoramento Jovem de Políticas Públicas
25. Mieib - Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil
26. MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
27. Plataforma Dhesca
28. Plan Brasil
29. Prof. Dra. Iolete Ribeiro da Silva, Universidade Federal do Amazonas
30. Projeto Política Eu Me Importo e Participo (Parintins/Amazonas)
31. SEFRAS - Serviço Franciscano de Solidariedade
32. APP - Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná
33. Visão Mundial
(Foto: Pixabay)
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO
Campanha Nacional pelo Direito à Educação (Renan Simão) - 11 95857-0824