Posicionamento da Marcha Global sobre as Declarações do Presidente do Brasil
A Marcha Mundial Contra o Trabalho Infantil (Marcha Global) é um movimento mundial de sindicatos, associação de professores e organizações pelo direito da criança unidos na luta contra o trabalho infantil e apoiando a educação para todos. A Marcha Global é comprometida com a ONU, agências governamentais, atores locais, nacionais, regionais e globais em seus esforços para proteger e promover os direitos das crianças, especialmente contra o trabalho infantil, tráfico para o trabalho forçado, escravidão infantil e discriminação de gênero, ao mesmo tempo que apoia o direito a uma educação livre, de qualidade e significativa para todas as crianças.
Nós da Marcha Global temos observado de perto o desenvolvimento das discussões recentes sobre trabalho infantil e suas implicações nas vidas das crianças no Brasil. Mais especificamente, as declarações do Presidente Jair Bolsonaro, que defendeu abertamente e repetidamente o trabalho infantil, particularmente para crianças com menos de 10 anos de idade.
Como defensores dos direitos da criança, nós condenamos veementemente todas as formas de trabalho infantil como uma norma da sociedade. O trabalho infantil, especialmente em suas formas perigosas e quando iniciado em uma idade jovem, impacta não apenas o desenvolvimento físico, mental e emocional, mas também perpetua a pobreza, o analfabetismo, a desigualdade de gênero e, na maioria dos casos, não leva ao desenvolvimento de habilidades.
A Marcha Global aplaude e reconhece o comprometimento demonstrado pelo Brasil ao adotar e ratificar várias convenções e leis internacionais que protegem os direitos fundamentais da criança, como a Constituição (1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), bem como acordos internacionais, incluindo a Convenção sobre os Direitos da Criança (1990), Acordo Americano sobre Direitos Humanos (1992), a Convenção da OIT 182 (2000) e 138 (2001). Reconhecemos que o Brasil tem desempenhado um papel fundamental e de liderança na luta contra o trabalho infantil na região e foi um dos pioneiros ao introduzir programas de transferência de renda revolucionários, como o Bolsa Escola e o Bolsa Família, para combater o trabalho infantil e tirar as famílias da pobreza. Ultimamente, o Brasil também se comprometeu com a erradicação do trabalho infantil como prioridade ao assinar um compromisso internacional durante a IV Conferência Global para a Erradicação do Trabalho Infantil, realizada na Argentina em 2017.
Ao considerar o quadro mencionado acima, a declaração recente do Presidente Bolsonaro não apenas desrespeita o princípio constitucional de proteção à infância do Brasil, mas também viola as obrigações assumidas pelo Estado brasileiro sob os tratados internacionais; que prejudicam a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em particular o objetivo de eliminar todas as formas de trabalho infantil até 2025 – colocando em risco o bem-estar e o desenvolvimento saudável das crianças brasileiras e mantendo um cenário extremamente contraproducente para a economia brasileira.
A Marcha Global adverte que, se as crianças têm permissão para trabalhar, especialmente quando o fazem desde cedo, isso terá graves consequências para o seu presente e futuro. Essas crianças perderão a educação durante seus anos de formação de seu desenvolvimento e continuarão a executar tarefas repetitivas, corroendo suas habilidades e empregabilidade em condições decentes no futuro. Nesse processo poderiam, inadvertidamente, entrar em um ciclo vicioso de pobreza e analfabetismo, que não seria fácil de desmontar. O trabalho infantil, com seus dois gumes, reduziria ainda mais os adultos de condições de trabalho decentes, porque os empregadores sempre prefeririam crianças em relação aos adultos, pois não exigem salários mínimos e não podem defender seus direitos.
Todos sabemos que, de acordo com a OIT, embora haja cerca de 152 milhões de crianças trabalhadoras em todo o mundo, existem cerca de 192 milhões de adultos e jovens sem emprego no mundo. No Brasil, existem 2,4 milhões de crianças presas na situação de trabalho infantil. O número de adultos brasileiros desempregados subiu para 13,4 milhões, o que mostra claramente que uma criança trabalha no lugar de um adulto e, consequentemente, o trabalho infantil alimenta o desemprego adulto, deteriorando ainda mais a economia.
O Brasil está passando por uma crise no mercado de trabalho e tornou-se ainda mais imperativo para o país investir em suas crianças e jovens em prol de seu desenvolvimento social e econômico. Se o desenvolvimento precisa ser alcançado em todas as dimensões sustentáveis, os Estados e as sociedades devem reconhecer e cumprir o direito das crianças à educação, bem-estar, proteção, sobrevivência, desenvolvimento e participação, conforme consagrado na UNCRC; testemunhar um impacto positivo não apenas sobre si mesmos, mas também sobre as famílias, comunidades e países; com o Brasil não sendo exceção.
Diante deste cenário, a Marcha Global contra o Trabalho Infantil condena inequivocamente qualquer forma de violação dos direitos fundamentais das crianças e insta a comunidade internacional a chamar a atenção para esta situação crítica, que exige ações conjuntas que defendam e garantam o direito das crianças a uma educação livre e significativa, estando livre de qualquer forma de exploração.
A Marcha Global reitera ainda seu compromisso em apoiar o trabalho de nossos membros e parceiros unidos contra o trabalho infantil no Brasil e além; e apela a todos as partes interessadas que trabalham para a eliminação desta forma de violência contra as crianças, para se unirem e continuarem a discutir e envolver o Governo do Brasil e todos os regimes que favorecem a existência de trabalho infantil, para não só abandonar tal mentalidade, mas trabalhar lado a lado com o movimento contra trabalho infantil para criar um mundo sem trabalho infantil e amigo da criança para todas as crianças.