Apesar de 152 milhões de crianças em situação de trabalho infantil no mundo, Estados-membro da ONU não mencionam o tema em Fórum Político de Alto Nível
A meta 8.7 do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8 prevê tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, e assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo recrutamento e utilização de crianças-soldado, e até 2025 acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas.
Essa meta deveria ter sido foco de revisão por parte dos países-membro da ONU no Fórum Político de Alto Nível que aconteceu em Nova York nas duas últimas semanas, conforme previa a agenda do encontro.
Durante a revisão, no entanto, somente as representações do grupo dos jovens e do grupo dos empregadores se posicionaram sobre a necessidade do enfrentamento ao trabalho infantil.
Apesar de 152 milhões de crianças - quantidade maior que a da população russa, 9° país mais populoso do mundo - ainda estarem em situação de trabalho infantil no mundo, os Estados-membros não mencionaram a questão.
“Os governos dos Estados-membro decepcionam pelo seu descompromisso com crianças e adolescentes. O obscurantismo no Brasil, EUA, Chile, Indonésia, entre outros países, também é resultado de omissões de toda a Comunidade Internacional. Por sorte, há a sociedade civil dedicada à proteção dos Direitos Humanos. Não é fácil, mas é necessário ser a voz dissonante”, afirmou Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e liderança da plataforma 100 Milhões por 100 Milhões no Brasil.
O objetivo da plataforma é mobilizar 100 milhões de pessoas, estimulando especialmente os jovens, para lutar pelos direitos de 100 milhões de crianças que vivem na extrema pobreza, sem acesso à saúde, educação e alimentação, em situação de trabalho infantil e completa insegurança. Ela se constitui em uma rede intersetorial, com forte participação da juventude, envolvendo representantes de diferentes setores. A campanha é uma iniciativa global do Nobel da Paz, Kailash Satyarthi, coordenada no Brasil pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, com parceria temática do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).
O Fórum Político de Alto Nível é o momento do ano dedicado a revisar a Agenda 2030, um compromisso comum dos Estados-membro das Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável desde 2015, até 2030.
“Chegamos às vésperas de completar um terço da agenda e a avaliação geral é que ela tem caminhado a passos ainda aquém da necessidade para o atingimento dos direitos humanos os quais ela prevê avançar. Além disso, o avanço notado segue desigual e diversos países em desenvolvimento têm enfrentado crises políticas e econômicas que apresentam inclusive retrocessos em relação aos compromissos assumidos no âmbito internacional. Esse é infelizmente o caso do Brasil”, analisou Andressa Pellanda, coordenadora executiva da Campanha, também presente no evento.
Diante da política econômica vigente no país desde 2016, que asfixia os investimentos nas áreas sociais, temos visto uma estagnação do avanço dos indicadores sociais dos anos anteriores e com indicadores em ritmo retrógrado. Com quase nenhuma indicação do novo governo em investir em políticas de enfrentamento ao trabalho infantil, de forma estrutural e intersetorial, acrescido de intencionalidades em flexibilizar ainda mais as leis trabalhistas e da própria extinção do Ministério do Trabalho, há uma preocupação latente de que possamos estar sob riscos de aumento do trabalho infantil no país.
O trabalho infantil na indústria da moda, com caráter bastante domiciliar em grandes centros urbanos, pode vir a crescer em um contexto como esse, de pouca ou nenhuma fiscalização. Há debates ainda sobre os impactos da possível aprovação da permissibilidade para a educação domiciliar, mais um fator de risco para que o trabalho infantil aconteça, de forma mascarada e impunemente.
“Vale dizer que os países não mencionaram a questão do trabalho infantil, mas nenhum governante de países desenvolvidos ou de desenvolvimento médio, como é o caso do Brasil, tem a desfaçatez de defendê-lo, ao contrário. Esse lamentável papel é exercido apenas por Jair Messias Bolsonaro, presidente do Brasil e considerado por aqui como o pior e mais despreparado presidente de todo o mundo”, conclui Daniel Cara.
Trabalho infantil no mundo - De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 152 milhões de crianças e adolescentes no mundo são vítimas de trabalho infantil e quase metade deles, 73 milhões, está em situação de trabalho infantil perigoso. Ainda, é também esse o contingente na faixa etária entre 5 e 11 anos de idade; 42 milhões (28%) têm 12 a 14 anos de idade; e 37 milhões (24%) têm 15 a 17 anos.
Na distribuição dos continentes, quase metade do trabalho infantil (72,1 milhões) se encontra na África; 62,1 milhões na Ásia e no Pacífico; 10,7 milhões nas Américas; 1,2 milhões nos Estados Árabes e 5,5 milhões na Europa e na Ásia Central.
Entre 152 milhões de crianças em trabalho infantil, 88 milhões são meninos e 64 milhões são meninas. Os meninos parecem enfrentar um risco maior de trabalho infantil do que as meninas, mas isso também pode ser um reflexo de uma subnotificação do trabalho das meninas, particularmente no trabalho infantil doméstico.
O trabalho infantil concentra-se principalmente na agricultura (71%), o que inclui a pesca, a silvicultura, a pecuária e a aquacultura, e compreende tanto a agricultura de subsistência como a agricultura comercial; 17% em serviços; e 12% no setor industrial, incluindo mineração.
Convenções e agendas internacionais - Três principais instrumentos jurídicos internacionais - Convenção nº 138 da OIT (Idade mínima) (C138), Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CRC), Convenção nº 182 (Piores Formas) da OIT (C182) estabelecem as fronteiras legais trabalho infantil e fornecem a base legal para ações nacionais e internacionais contra ela.
De acordo com esses instrumentos, o trabalho infantil é um trabalho que as crianças não devem fazer porque (a) são muito jovens ou (b) são suscetíveis de prejudicar sua saúde, segurança ou moral, devido à sua natureza ou às condições em que são realizados.
Trabalho infantil no Brasil - O 3º Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil aponta que 2,4 milhões de crianças e adolescentes estão em situação de trabalho no Brasil, segundo levantamento com base na Pnad 2016 – IBGE. O maior estudo já feito sobre o trabalho infantil no país segundo grupamento de atividades, elaborado pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), mostra, a partir da Pnad 2015, que havia naquele ano ao menos 60 mil meninas e meninos de 4 a 17 anos ocupados na produção ou comercialização de artigos têxteis no país, com forte predominância no meio urbano.
Ainda, há uma incidência importante de trabalho infantil em residências em que a mulher é responsável pela renda familiar, já que, por encontrarem-se em situação de vulnerabilidade, seus filhos ficam também expostos a maior risco de trabalho infantil. No caso da moda, 75% da mão de obra é composta por mulheres.
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Malu Costa
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