Exclusão escolar foi um dos temas de discussão na Conae 2014
A exclusão escolar foi o tema da mesa de interesse “Fora da Escola Não Pode! Direito à educação para todos e todas”, realizada no dia 22 de novembro, durante a II Conae (Conferência Nacional de Educação), em Brasília. Durante a atividade, alunos, gestores e representantes da sociedade civil discutiram o desafio de cumprir a Emenda Constitucional 59/09, que determina a universalização, até 2016, do atendimento escolar para toda a população de 4 a 17 anos. No Brasil, mais de 3,8 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos estão fora da escola e outros 14,6 milhões correm o risco de abandoná-la, segundo relatório “O Enfrentamento à Exclusão Escolar no Brasil”, de 2014, produzido pelo Unicef e pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
O debate, mediado por Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, contou com a participação de Aldeneide Teixeira (Neide), presidente do Campe (Centro de Apoio de a Mães de Portadores de Eficiência); Cleuza Repulho, presidente da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação); Julia Ribeiro, oficial do programa de educação do Unicef no Brasil, Marcelo Mazolli, chefe de educação do Unicef no Brasil; e dos estudantes do ensino médio da rede pública de Brasília: Walisson Lopes de Souza e Iana Maia Mallmann do Nascimento.
“Para nós, o direito à educação é indivisível. Ele só se realiza na perspectiva do acesso e também da qualidade da matrícula”, defendeu Daniel Cara, ao reconhecer a importância da parceria com o Unicef na realização, aqui no Brasil, da iniciativa Fora da Escola Não Pode!
Em sua fala, Marcelo Mazzoli, que acaba de voltar ao Brasil após trabalhar pelo Unicef em outros países, afirmou não ter conhecido outras organizações na América Latina com atuação tão forte como a da Campanha e a da Undime, “que possuem uma energia criadora e crítica e resgatam o sentido central da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente de que a educação é uma política de Estado, do governo e da sociedade”. Segundo ele, tanto a Campanha quanto a Undime fazem isso de uma forma inovadora, contribuindo para aperfeiçoar o debate sobre a gestão, o conteúdo e o controle social das políticas públicas.
Para Cleuza Repulho o fato de o País ter 1,1 milhão de crianças de 4 e 5 anos e 1,7 milhão de adolescentes de 15 a 17 anos fora da escola é resultado de uma escolha política feita na década de 1990, quando foi criado o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), que excluiu a educação infantil e o ensino médio da política de financiamento. “A gente precisa sentir vergonha desses números”, disse a gestora.
Só em 1997 foi sancionada a Lei 11.494, que institui o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que garante o financiamento de todas as etapas e modalidades da educação básica, da creche ao ensino médio, passando pelas modalidades profissionalizantes e da EJA (Educação de Jovens e Adultos). A aprovação do fundo só ocorreu após forte pressão da sociedade civil, especialmente da Campanha.
Conae aprova educação inclusiva em escolas regulares Um dos temas mais polêmicos da Conferência foi a educação inclusiva. Durante a votação foi recusada a proposta da coexistência de estabelecimentos de ensino regular e especial, na qual pais e alunos poderiam optar por uma ou outra modalidade. A decisão vai ao encontro da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que no Brasil tem o mesmo status da Constituição Federal e determina a construção de um sistema de educação inclusiva de forma a garantir a matrícula das pessoas com deficiência em escolas regulares.
No Brasil, em 2013, cerca de 140 mil crianças e adolescentes com deficiência e que recebem o BPC (Benefício de Prestação Continuada) estão fora da escola. Esse dado é fruto do cruzamento das informações do Censo Escolar com a base de dados do Ministério do Desenvolvimento Social. Além disso, ainda há no País mais de 194 mil matrículas de alunos com deficiência em escolas especiais ou classes exclusivas.
De acordo com o Censo Escolar de 2013, 77% das matrículas dos estudantes com deficiência, TGD (Transtornos Globais do Desenvolvimento) / TEA (Transtorno do Espectro Autista) e altas habilidades / superdotação estudam em classes comuns do ensino regular. Mas além do acesso, outras barreiras são enfrentadas: só uma em cada cinco escolas possui dependências acessíveis; 70% das instituições de ensino dispõem de materiais didáticos e paradidáticos acessíveis e 98% não têm tradutores intérpretes de libras.
“A nossa luta é grande”, diz Neide sobre o trabalho realizado pelo Campe. “Mas a gente vê a diferença quando seu filho estuda em uma escola inclusiva”, defende. Segundo ela, a socialização desde criança traz muitos benefícios para todos, não só para as pessoas com deficiência. “Hoje, minha filha tem muita autonomia e não pára em casa. É só conquista”, comemora.
A jovem Débora Teixeira, filha da Neide, elogiou a atuação do Campe na luta pela educação inclusiva na escola. “Uma das minhas grandes conquistas foi concluir o Ensino Médio. Agora, acabei de fazer o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e estou tentando entrar na universidade. Temos que lutar, porque só lutando a gente consegue”, afirmou.
Estudantes dizem qual educação querem A mesa de interesse foi um dos poucos espaços da Conae em que os estudantes puderam trazer o seu olhar sobre a educação brasileira. Escolas opressoras, feias, cheias de grades, que separam as turmas segundo o desempenho e geram segregação, professores que não acreditam no potencial dos seus estudantes, que estimulam o bulliyng e promovem a discriminação de raça, gênero e de opção sexual foram alguns dos problemas estruturais do ensino público apontados pelos alunos Walisson e Iana.
Eles criticaram a falta de valorização dos professores, a ausência de uma gestão democrática nas escolas e a inexistência de um currículo que dialogue com a realidade dos jovens. “É preciso pensar na qualidade antes de estender o horário", criticou Wallison ao mencionar a política de implementação de escolas em tempo integral. Para ele, “não existe mal professor, existe professor desmotivado”.
Iana contou que sofreu discriminação na escola por conta da sua opção sexual. Ela conta que no começo da adolescência teve depressão e, por três vezes, tentou o suicídio. “Precisamos acabar com isso, ainda há muitos pais que não aceitam. Na época, procurei ajuda da escola e ela não me apoiou”, lembrou a estudante ao afirmar que o problema também afeta a população negra, indígena, com deficiência e moradores do campo.
“Quando ouvimos nossos alunos, eles querem ter professores, ter uma quadra... O que a gente faz para que eles não deixem de gostar da escola? Resolver esse problema é nossa responsabilidade”, afirmou Cleuza, que defendeu maior diálogo e empenho das famílias e dos gestores.