Mesa sobre PNE na Anped discute financiamento, participação e avaliação na educação brasileira
A sessão sobre o PNE (Plano Nacional de Educação) realizada na noite desta segunda-feira (3/10), na 34ª Reunião Nacional da Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), em Natal/RN, tratou de pontos centrais que preocupam pesquisadores e sociedade civil organizada quanto ao projeto de lei 8035/2010 (novo PNE).
Sob o tema “Por um PNE como política de Estado: as vozes da sociedade organizada”, a mesa teve exposições de Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, de Francisco das Chagas Fernandes, secretário adjunto do MEC e coordenador do FNE (Fórum Nacional de Educação) e do presidente do CNE (Conselho Nacional de Educação), Antonio Carlos Caruso Ronca. O professor Luiz Dourado (UFG) coordenou os trabalhos, que tiveram a presença de cerca de 100 pessoas.
Financiamento adequado, o primeiro passo – Em sua exposição, Daniel Cara explicitou porque a aplicação do equivalente a 7% do PIB (Produto Interno Bruto) em educação, conforme consta da proposta do Poder Executivo, não é suficiente para cumprir o novo PNE. “É necessário trabalho conjunto entre os entes federados para o alcance de algumas metas. Por exemplo, para garantir a expansão do atendimento em creches [meta 01] é preciso contribuição da União, pois os municípios sozinhos não conseguiriam cumprir essa meta. Isso sem falar que a proposta do MEC não considera recursos adicionais para garantir a ampliação do atendimento de EJA [educação de jovens e adultos] e da educação especial, ou na nossa perspectiva, da educação inclusiva”, disse.
Daniel mostrou os cálculos feitos pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação na nota técnica Por que 7% do PIB para a educação é pouco? Cálculo dos investimentos adicionais necessários para o novo PNE garantir um padrão mínimo de qualidade, que revelam que seriam necessários recursos adicionais da ordem de R$ 170 bilhões para cumprir o novo PNE, e não os cerca de R$ 62 bilhões calculados pelo MEC. E apontou ainda várias possibilidades de fontes para esses recursos, como a taxação de grandes fortunas, com destinação de 18% desses recursos para educação, elevação da participação da União na complementação ao Fundeb para 20% e destinação para a educação de 5% dos dividendos do governo federal auferidos via lucro das estatais, entre outras medidas.
“Essa última proposta foi criticada em editorial de um domingo de um grande jornal paulista, pois reverte para a educação a fonte de financiamento para pagamento dos injustos serviços da dívida. Portanto, isso significa que a proposta é boa, ousada e viável, caso contrário, seria ignorada”. Ele afirmou que apenas recursos financeiros não são suficientes para melhorar a qualidade da educação no Brasil. “Financiamento é condição necessária, mas não suficiente. Desse modo, sem os recursos adequados, não será possível garantir o direito à educação pública de qualidade para todas as cidadãs e cidadãos em território nacional”, concluiu.
Para Ronca, aumentar o financiamento de 5% para 7% do PIB é claramente insuficiente. “Temos que aproveitar o momento aquecido da economia brasileira para superar a lentidão que nos caracteriza. Muito foi feito, mas a velocidade precisa aumentar. Educação ainda não tem o sentido de urgência, apesar dos avanços dos últimos anos”.
Lei de Responsabilidade Educacional e privatização – Um ponto levantado pela audiência e que se relaciona diretamente com as políticas de financiamento foi a LRE (Lei de Responsabilidade Educacional). Daniel lembrou que a proposta de LRE advinda da Conae foi totalmente descaracterizada no projeto de lei enviado pelo MEC ao Congresso Nacional. “Na Conae propusemos uma LRE que enfrenta a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e determina a participação e a responsabilidade de cada ente federado na composição financeira do investimento em educação. Além disso, coloca o gestor da educação como gestor dos recursos da área. Só após tudo isso ser feito, há previsão de sanções administrativas para quem não cumprir metas”, explicou. Ronca utilizou o exemplo dos Estados Unidos, onde, segundo ele, a LRE tem mais de mil artigos e permite o fechamento ou a privatização de escolas públicas que não atinjam certas metas. “É preciso muito cuidado porque hoje já vivemos um processo de privatização da escola pública, com redes comprando assessorias e materiais didáticos de empresas”.
Nesse sentido, Daniel ressalta que o PL 8035/2010, tal qual foi enviado pelo Poder Executivo, contraria as deliberações da Conae ao estimular parcerias público-privadas, especialmente quando propõe estímulo ao conveniamento na educação infantil e a expansão do ensino profissionalizante e superior privado. Para o professor Luiz Dourado, o estímulo à privatização na educação está em pleno curso. “Em pronunciamento recente, o ministro Fernando Haddad falou em FIES [Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior] para subsidiar a realização de mestrados e doutorados por professores da educação básica, o que significa financiamento público para cursos privados de pós-graduação”, alertou.
Participação social e regime de colaboração no PNE – Um dos pontos abordados pelos palestrantes foi a participação social na elaboração do Plano e, posteriormente, no acompanhamento de sua implementação. Na opinião do professor Antonio Ronca, é preciso avaliação social do PNE como política de estado de médio prazo, o que exige fortalecimento de órgãos colegiados, instâncias e mecanismos de participação social e gestão democrática, em um contexto de tradição democrática muito recente no Brasil.
Para Francisco das Chagas, o processo das conferências de educação iniciado em 2008 com a Coneb (Conferência Nacional de Educação Básica) e que culminou com a Conae (Conferência Nacional de Educação) em 2010 proporcionou intensa participação social na discussão sobre o Plano. Para ele, o país pode aprovar um PNE muito melhor que o anterior e melhor ainda do que o Governo apresentou ao Congresso. “O PNE deve ser o articulador do sistema nacional de educação, sendo que em 1988 não conseguimos cravar esse conceito na Constituição. O Plano traz a perspectiva de concretizar o regime de colaboração. Também traz a possibilidade de trabalhar a educação de modo sistêmico, da creche à pós-graduação, não como algo resolvido, mas como um caminho cheio de desafios”.
Outros caminhos para avaliação – Foi apontada como equivocada pelos três palestrantes a menção direta ao Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) e ao Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) na meta 7, propondo o uso de indicadores provenientes desses instrumentos para medir a qualidade da educação. Ronca considera que é preciso mais reflexão para chegar a outros mecanismos para se auferir desempenho de aprendizagem. “Sou contra a inclusão do Pisa no PNE, como também do Ideb, que ainda não foi suficientemente amadurecido e que não deveria constar do texto de uma lei”.
Chagas, em diálogo com Ronca, questionou a idéia de inclusão do Ideb como meta no Plano. “A Conae aprovou a construção de um sistema nacional de avaliação da educação básica, que vá além da mensuração do fluxo e da aprendizagem, considerados pelo Ideb. O Ideb é importante, foi um avanço, mas podemos avançar ainda mais”, defendeu.