Análises

O agro quer ser pop nas escolas ou da arte de esconder o óbvio

Agronegócio na educação: dessa vez o alvo são os livros didáticos

No dia 13 de maio, o Movimento denominado Todos a uma só Voz realizou o Webinar “O Agro para Estudantes” com o objetivo de debater estratégias de comunicar às crianças e aos jovens uma narrativa “positiva, empática e moderna” sobre o Agronegócio brasileiro. 

Lançado em 23 de fevereiro de 2021, o Movimento Todos a uma só Voz tem por objetivo unificar todos os ramos e entidades do Agronegócio no país para construir narrativas e estratégias de atuação capazes de, em suas palavras, “fortalecer a imagem e contribuir para que o Agro seja admirado pelos brasileiros e se torne uma paixão nacional”, em contraposição à imagem negativa que supostamente o Agronegócio possui, assim como seus preconceitos sobre o setor. Como uma de suas estratégias, o movimento escolheu a educação como lócus privilegiado para a sua atuação e incidência.

O evento virtual contou com a participação da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG/RP), da Federação Nacional das Escolas Privadas (FENEP), do Movimento de mães do Agro “De olho no material Escolar”, do BidFood e dos especialistas Xico Graziano e Marcos Fava Neves. Seu objetivo foi apresentar as 10 propostas temáticas sobre o Agronegócio brasileiro, elaboradas pelos dois especialistas convidados, que visam tornar o Agronegócio “interessantes e atraentes” para as crianças e jovens, conforme assinalam os autores. 

As investidas do Agronegócio na Educação e sua presença nas escolas não são novidades para quem acompanha a educação e a entrada de novos atores neste campo. Desde 2001, a Associação Brasileira do Agronegócio em Ribeirão Preto (ABAG/RP) desenvolve o Programa Educacional “Agronegócio na Escola” na região de Ribeirão Preto/SP. No início de sua criação, a ABAG/RP atuava sobre 86 municípios nas regiões administrativas de Araraquara, Barretos, Ribeirão Preto, São Carlos e Franca. A região é polo importante do Agronegócio nacional e Ribeirão Preto/SP se destaca pela principal produção canavieira no país. 

A criação da ABAG/RP tinha, entre outras finalidades, o objetivo de incidir sobre a opinião pública para criar uma imagem positiva do Agronegócio, conforme analisam em estudo Victor Hugo Junqueira e Maria Cristina dos Santos Bezerra (2018) intitulado “A Ideologia do Agronegócio na educação básica”. A estratégia de atuação adotada pela ABAG consistiu em: a) investir em propagandas publicitárias para a valorização da imagem do agronegócio, com inserções nos canais de televisão da região, e, b) desenvolver programas e projetos nas escolas.

O programa Agronegócio na Escola teve início em 2001, realizado em sete escolas dos municípios de Jaboticabal, Guariba, Pradópolis e Monte Alto, para 970 estudantes do primeiro ano do ensino médio. No ano seguinte, em 2002, a parceria com a Secretaria Estadual de Educação foi ampliada, e o Programa envolveria mais cinco municípios da região e passaria a atender 20 escolas, 500 professores e 6.208 estudantes. Nos anos seguintes, o Programa foi ampliando seu raio de atuação e envolvendo novos municípios a partir da parceria com a Secretaria Estadual de Educação, de maneira que em 2007 já estava sendo realizado em 141 escolas, alcançando 1800 professores e 24.500 alunos, como revela o estudo de Junqueira e Bezerra (2018). 

A partir de 2008, e encerrada a parceria com a Secretaria estadual de Educação em 2009, o Programa passou a ser implementado a partir de parcerias com as secretarias municipais, tendo como foco o 8º e 9º anos do ensino fundamental, além de parcerias com diretorias de ensino, ETECs e FATECs.

O Programa se realiza por meio de palestras, elaboração de cartilhas, visitas a agroindústria, fazendas, cooperativas, instituições de ensino e pesquisa ligadas ao Agronegócio. Além disso, são realizados concursos para estimular a produção criativa de estudantes e professores sobre a temática do Agronegócio, tendo destaque a elaboração de desenhos, redações, projetos de conhecimentos, concurso do Prêmio Professor, bem como o reconhecimento de Escolas engajadas no tema. 

De 2001 até 2020, segundo dados da própria ABAG, o Programa “Agronegócio na Escola” atendeu 255.952 alunos, 3.397 professores, realizou 2.299 visitas de alunos, 150 visitas de professores, desenvolvido em 111 municípios e está presente em 626 escolas (Fonte: site da ABAG).

Portanto, o Agronegócio nas escolas não é novidade, menos ainda o é a sua narrativa de que o Agronegócio é o grande motor da economia brasileira. Interessa compreender, todavia, as circunstâncias históricas e os objetivos atuais que mobilizam os agentes do Agronegócio a reposicionar sua incidência na Educação e o seu papel nas escolas, reorganizando as suas estratégias para a consolidação de sua hegemonia na sociedade.  Dessa vez, o alvo são os livros didáticos.

Exemplo disso é o Movimento De olho no Material Escolar, liderado por duas mulheres ligadas ao Agronegócio, Andréia Bernabé e Leticia Zamperlini Jacintho, que iniciou a sua atuação com o objetivo de fiscalizar e disputar o currículo escolar da rede pública e privada. A movimentação teve início em 2018, quando a produtora rural Letícia Jacintho apresentou uma carta ao Colégio privado Anglo no município de Barretos/SP, alegando uma abordagem “negativa” sobre o Agronegócio no material didático. Naquela ocasião, reuniu outros pais da região de Barretos/SP para pautar a necessidade de revisão dos materiais didáticos. Para isso, buscaram o apoio das entidades do agronegócio, gestores educacionais e parlamentares da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA).

Outros aliados importantes do Movimento De Olho no Material Escolar são Tereza Cristina, ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), e o pecuarista Luiz Antonio Nabhan Garcia, atual secretário nacional de Assuntos Fundiários do governo Bolsonaro. O movimento conta também com o apoio especializado do engenheiro agrônomo Xico Graziano, ex-deputado pelo PSDB e ex-secretário do Meio Ambiente no estado de São Paulo. 

Para o Webinar “O Agro para Estudantes”, com que abrimos esta análise, Xico Graziano e Marcos Fava Neves também apresentaram um documento, elaborado sob encomenda, contendo o título “O novo Mundo rural e a produção de Alimentos no Brasil” que sugere conteúdos e abordagens a serem trabalhadas no material do ensino fundamental de todo o país. Segundo seus autores, trata-se de atender aos anseios do Movimento de “mães e pais ligados à moderna produção agropecuária”, para promover “atualização histórica e o embasamento técnico/científico nos materiais escolares”. Essa pretensa atualização histórica e fundamentada em critérios científicos, todavia, se ocupou de afirmar que os materiais didáticos contêm “inconcebível viés político em textos relacionados à reforma agrária, ao trabalho rural e aos povos indígenas” (p.3). 

Ao optarem pela criação de uma narrativa “positiva” do Agronegócio, sob a justificativa de seu papel tecnológico e “modernizador” para o campo brasileiro, os autores requentam o mito da modernização do campo, legado histórico da Revolução Verde, escamoteando todas as mazelas que o modelo agroexportador produz historicamente no país. Baseado na Base Nacional Comum Curricular, o documento pretende indicar abordagens para a elaboração do Currículo da educação básica, a serem trabalhados especialmente nas disciplinas de História, Geografia e Ciências. O documento indica ainda o empreendedorismo, conceito já amplamente reforçado na BNCC, como dimensão importante para estimular os estudantes.

Por fim, a apresentação da entrada destes atores na educação expõe mais um grupo a disputar a escola pública. A chegada destes conteúdos não vem acompanhada de investimentos em infraestrutura ou do questionamento da falta de infraestrutura das escolas. Mas vem disputar os alunos para que eles se tornem favoráveis à exploração das terras e do campo da maneira feroz e desregrada que vem acontecendo desde sempre. Também é consequência de grupos de direita e conservadores que consideram que a escola apresenta apenas conteúdos marxistas e comunistas, quando em realidade não compreende que o ensino é crítico da situação que existe no país. Como defensores de uma educação de qualidade para todas e todos e que promova a justiça social, acreditamos que essa educação deve ser libertadora e apresentar o que de fato acontece e como essa realidade pode ser transformada. Portanto, o agro não é pop e as escolas e seus professores têm sim o direito à autonomia de ensino sobre este tema. 

Simone Magalhães
Simone Magalhães

É educadora popular, faz parte do setor de educação e do grupo de estudos Terra, Raça e Classe do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Representa o MST no Comitê Diretivo da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação e no Observatório da Alimentação Escolar.