Teremos escolas para as quais retornar?
Enquanto há quem comece a falar em retorno às escolas, como se estivéssemos em uma Alemanha de assepsia e organização, cabe fazer uma pergunta: teremos creches, escolas e professores para esse retorno? Explico. Até o Banco Mundial, máximo pregador do ajuste fiscal, admite que precisamos de mais dinheiro para planejar e executar esse retorno gradual à nova normalidade educacional. Itens básicos: menos alunos por sala e professor, reposição de carga-horária, mais itens e trabalhadores de limpeza e suporte nas escolas e kits de proteção e higiene distribuídos entre trabalhadores da educação, pais, responsáveis e estudantes. Tudo isso tem custo significativo e adicional ao que já seria o básico na educação pública, básico que sequer cumpríamos no pré-pandemia. Estamos na contramão disso.
A Nota Técnica "Atenção: é preciso proteger o financiamento da educação básica dos prejuízos da crise econômica!" que produzimos no âmbito da Fineduca e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação mostra um cenário que exige nossa máxima e imediata atenção: a brutal queda das receitas vinculadas à educação no contexto da pandemia Covid-19. No cenário otimista, a receita de impostos nos estados e municípios encolhe 7%, no pessimista 21%. O financiamento da educação poderá perder mais de R$ 50 bilhões, algo equivalente a 1/3 do Fundeb. A "mensalidade pública", ou seja, o gasto por aluno médio, despencaria do já intolerável patamar anterior de R$ 519/mês para R$ 411/mês (em números de 2018). Ontem, soubemos que a arrecadação federal de abril pode ter caído 30%, o que confirma o grave cenário também no orçamento da União! Enquanto isso, os planos de ajuda financeira aos entes federados não contemplam a educação, veja-se a não previsão de recursos para a área no PLP 39/2020. Some-se a isso, a suspensão de contratos de serviços de terceiros (alimentação, transporte, higiene e segurança) e de termos de colaboração com creches e entidades privadas que prestam serviços educacionais, de alfabetização de adultos (MOVA) e de atendimento educacional especializado, que ameaça a própria existência de tais entidades e dos trabalhadores, professores e educadores a elas vinculados.
Na Nota, há um conjunto de propostas que reafirmam o dever constitucional do governo federal de recompor o orçamento da educação em 2020 e a necessidade de aprovação imediata de um novo Fundeb robusto no direcionamento de novos recursos à educação básica, além de outras medidas. Com a recessão e o despencar da arrecadação, o dinheiro terá que vir do endividamento público e, no médio prazo, da tributação dos ricos. Como defende Élida Graziane, precisamos alterar a abordagem sobre a classificação das despesas em educação, de despesas correntes para investimento, para escapar das amarras de um "austericídio" planejado. Sem tais medidas a conta não fecha e logo teremos o colapso fiscal também do sistema educacional. Afinal, com inadimplência aos fornecedores e atrasos salariais massivos em 2020 teremos creches e escolas para as quais retornar?
É doutor em Direito, professor da UFABC, autor de “Direito à Qualidade na Educação Básica: teoria e crítica” (Quartier Latin).