Análises

Reforma ou Revogação: Que fazer com o “Novo Ensino Médio”?

É preciso interromper imediatamente o avanço dessa sangria na escola pública da juventude brasileira

Artigo originalmente publicado no site da ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação).

Nos últimos dias tem ocupado espaço expressivo na mídia o assunto do Novo Ensino Médio. Tem crescido também um movimento pela revogação das medidas incluídas na Lei de Diretrizes e Bases e da Educação pela Lei 13.415/17, haja vista a convocação para uma ampla mobilização nacional no próximo dia 15 de março feita pelas entidades de representação estudantil (UNE, UBES e ANPG). E tem, em contraponto à proposta de revogação, surgido defesas de que seria suficiente “reformar a reforma”, isto é, rever alguns pontos e fazer alguns ajustes. O Ministério da Educação que assumiu no Governo Lula tem se mostrado mais favorável a essa última perspectiva, conforme notícia que circulou na imprensa recentemente, e anuncia a intenção de criar um GT para analisar a situação. Descarta, já de início, a possibilidade de revogação.

Seria suficiente rever alguns pontos? Desde 2016, quando da publicação da Medida Provisória 746/16, já eram indicados vários desacertos que a reforma traria (para saber como as entidades científicas e outras organizações se manifestaram, acesse o documento do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio). De lá para cá as redes estaduais produziram documentos, bases curriculares, propostas, normativas, com vistas a adequar o formato e a oferta para o que passou a ser chamado por “Novo Ensino Médio”. E nos últimos dois anos, com maior expressão em 2022, tem início a implementação propriamente dita.

Sobre a regulamentação e elaboração de propostas nas esferas estaduais, o que as pesquisas revelam, em breve síntese, é que se produziu uma imensa diversificação na composição dos textos curriculares, de modo a termos hoje 27 “ensinos médios” pelo país. Há documentos com 200 páginas e há documentos com 900 páginas. Há estados em que foram criadas mais de 200 disciplinas eletivas e a maioria delas remetem a conteúdos de disciplinas convencionais, outras nem isso. A diversificação em si não seria o problema, desde que fosse assegurada uma sólida formação geral básica. Mas a reforma não o faz, haja vista a BNCC e a obrigatoriedade apenas de Língua Portuguesa e Matemática. O “Novo Ensino Médio” reduziu drasticamente a oferta de Sociologia, Filosofia, Artes, Biologia, Química e outras.

E o que foi colocado no lugar? Qual o sentido e a finalidade de ensinar, na última etapa da educação básica, assuntos como aprender a fazer brigadeiros, cuidados pet e como fazer sabonetes? No Brasil, mais de 80% da matrícula no ensino médio está nas redes públicas. São jovens que têm sim o direito de sonhar com a Universidade e dado o elevado grau de seletividade, aprender essas quinquilharias em nada contribui, nem para prosseguir nos estudos, nem para ingressar em algum tipo de trabalho, propósito anunciado na reforma por meio da centralidade que adquiriu o “apreender a empreender”. Sem contar que, por ser educação básica, o ensino médio se destina à formação científica, ética e estética além do preparo para a vida futura.

Sobre o “Novo Ensino Médio” vale lembrar, ainda, o engodo da escolha. As pesquisas têm revelado que, na prática, não há opção quanto ao itinerário formativo por parte dos/das estudantes. A respeito da implementação e dos efeitos nefastos sobre o trabalho das professoras e dos professores, e, também, sobre os/as estudantes, vale a pena acessar o documento que o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio entregou ao GT transição/educação para o novo governo ao final do ano passado.

Verifica-se uma “descoordenação” generalizada pelo país. Há uma violência em curso seja quanto ao trabalho docente, seja sobre a formação das nossas juventudes. Por essa razão, é insuficiente fazer alguns remendos. Mesmo que ainda no início, o tecido já está por demais esgarçado.

É preciso mencionar que parte aqueles que defendem pequenos ajustes o faz porque esteve à frente de institutos privados que fizeram assessoria para a elaboração dessas propostas que impetraram um verdadeiro esquartejamento curricular. É o caso de Kátia Smole, diretora do instituto Reúna e que chama de “revanchista” quem argumenta em favor da revogação. Não se trata de revanchismo, mas de pesquisas sérias e de vozes que estão dentro das escolas e que, nem seria preciso dizer, devem ser respeitadas!

É preciso interromper imediatamente o avanço dessa sangria na escola pública da juventude brasileira. O ensino médio anterior não estava bom, mas este é infinitamente pior. Qual seria a estratégia? Uma possibilidade seria revogar os dispositivos da Lei 13.415/17 inseridos na LDB e dela subtrair o fundamento legal que induziu à produção de tantos desacertos e problemas, incluindo a criação de quinquilharias alcunhadas de disciplinas escolares. E, imediatamente, abrir, de forma republicana e democrática, como deve ser, um amplo debate sobre uma reformulação responsável para a última etapa da educação básica.

E não, não estaríamos partindo do nada. Pois ao contrário do que dizem os defensores do ensino médio NEM-NEM, sim, existem propostas e experiências já realizadas que serviriam de ponto de partida e referência, como por exemplo as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio de 2012, abortadas pelo ímpeto reformador das fundações empresariais emaranhadas na formulação da legislação e da política educacional durante o processo golpista que incidiu fortemente sobre a educação brasileira.

#RevogaNEM  #RevogaJá!

Monica Ribeiro da Silva
Monica Ribeiro da Silva

É professora titular na Universidade Federal do Paraná (1994 até o presente). Atua nos cursos de formação de professores e no Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado e Doutorado. Coordena o Grupo de Pesquisa Observatório do Ensino Médio, e a rede EMpesquisa - rede nacional de grupos de pesquisa sobre Ensino Médio. É coordenadora local do Projeto PROCAD Amazônia realizado por meio de parceria entre a Universidade Federal do Pará, a Universidade Federal do Paraná e a Universidade Federal do Acre. É integrante do programa Capes PrInt UFPR. 

Possui pós-doutorado na Faculdade de Educação da UNICAMP (2017), doutorado em Educação: História, Política e Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003), mestrado em Educação: Fundamentos da Educação pela Universidade Federal de São Carlos (1991) e graduação em Pedagogia com habilitação em Administração Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP Araraquara (1989). Tem interesse no campo de pesquisa em Políticas Educacionais com ênfase para o Ensino Médio e na avaliação de políticas públicas.