2025: o apogeu brasileiro e a projeção fantasiosa de Abraham Weintraub
Há exatamente dez anos, o atual ministro da educação Abraham Weintraub, então professor de economia, publicou no jornal Valor Econômico um artigo intitulado “2025: o apogeu brasileiro”. O texto é uma projeção fantasiosa, na qual imagina um Brasil como grande fornecedor da China e da Índia, no contexto de uma reorganização global dos meios de produção capaz de transformar a sociedade e a geopolítica. Tomado de otimismo, prevê o aumento do consumo dessas potências, o que beneficiaria a economia do país. Por outro lado, em escala global, afirma que “haverá uma mudança dramática”, no que se refere às disputas pelo poder, um conflito, nas proporções do que foi a Segunda Guerra ou a Guerra Fria.
Sigamos com a imaginação de Weintraub, que projetou um 2025 no qual os conceitos de “direita” e “esquerda” serão falaciosos em função da dificuldade em identificar atores e posicionamentos. Distribuídos em função do enfraquecimento institucional, tais noções avançariam em forma de lampejos, no plano de um ambiente difuso potencializado pela internet. A partir das tecnologias, “novos líderes surgirão” e liberdades individuais poderão declinar, enquanto “Estados falirão” e “empresas ícones desaparecerão”. O futuro imaginado por Weintraub em 2010 buscava fundamento científico a suas afirmações, pelo menos naquela época. Cita um estudo de 2009 da Freedomhouse cujo resultado tinha demonstrado uma redução do número de democracias no mundo, o menor desde 1995. E o Brasil estaria na contramarcha de todos esses problemas, prevê.
Ainda sobre o Brasil, cito ipsis litteris: “Do Brasil, dada sua situação espetacular, é difícil perceber a (mesma) dramaticidade do cenário para Europa, Japão e mesmo EUA”. O atual ministro da educação segue: “nessa tempestade, o Brasil é um porto seguro”. E, finalmente, se deixa levar pelo indisfarçável entusiasmo: “nossa renda per capita pode passar de US$ 9 mil a US$ 15 mil. Enfim, ao redor do ano 2025 o Brasil viverá seu apogeu” (WEINTRAUB, Abraham, 2010).
Recapitulemos em síntese: nosso célebre ministro da educação, o mesmo dos erros ortográficos, o mesmo do corte no orçamento das universidades federais, o mesmo que defendeu a filmagem dos professores em aula, o mesmo que ofendeu o presidente francês, o mesmo do racismo com o povo chinês, o mesmo da falha nas notas do Enem 2019 e, finalmente, o mesmo que chamou os ministros do STF de “vagabundos” merecedores de cadeia, há exatos 10 anos, publicou um artigo no qual vislumbra um Brasil-2025 no auge. E como em um golpe de ironia que não tem a menor graça, dado o sofrimento da nossa população, faz a seguinte observação sobre o Brasil: “país inteligente o bastante para não ser radical”.
Em 2010, Weintraub projetava um cenário de deterioração mundial em contraste com o que o Brasil da época apresentava aos seus olhos. Era um simples maio de 2010, em que nos preparávamos para a Copa da África, enquanto o mundo ainda buscava recuperação econômica do abalo financeiro e seu efeito dominó iniciado em 2008. Internamente, o cenário permitia preocupações do tipo: “será que Robinho, Kaká e Luiz Fabiano irão funcionar juntos?” – pelo menos até julho do mesmo ano, quando a preocupação passou a ser polarizada na forma dos nomes Dilma e Serra, ainda longe do grau de polarização que estaria por vir. Saudosismo? Difícil negar, diante desse 2020 de temor e tristeza, desse Brasil de dezenas de milhares de mortos e desse ministro da educação que se tornou a própria personificação do radicalismo.
Convenhamos: nem Weintraub, nem ninguém imaginaria que uma pandemia nessas proporções assolaria o mundo de tal forma. E Weintraub acertou, quando reconheceu a dificuldade de imaginar o que seria o embate ideológico no mundo impulsionado pela internet. Seu prognóstico de aumento do consumo da China e da Índia também não é desprezível, dado que a história da última década mostrou.
Diante da “situação espetacular”, referindo-se a 2010, também seria difícil antever uma crise política, ou mesmo econômica, algo que viria a acontecer. No entanto, há um ponto nevrálgico do prognóstico de Weintraub de 2010, professor de economia, liberal, diretor responsável da Votorantim Corretora e do BV Securities. As “mudanças dramáticas” previstas para o mundo, provocadas pelas disputas de poder em alto grau de hostilidade, comparadas a períodos de guerra e capazes de abalar institucionalmente a democracia, acabariam acontecendo por aqui. Obviamente, não se trata de algo previsível, mas que deflagra um equívoco fundamental no Weintraub de ontem e de hoje: a democracia não é o reino dos desejos ilimitados dos indivíduos, uma imagem que apenas serve para confundir os limites da tolerância.
O entusiasmo do economista liberal em 2010, no seio do governo petista, contrasta ao seu ódio vociferado, em 2020, auge de um governo de extrema direita. Paradoxal, não? Então, Weintraub teria nostalgia da Era Dilma, no íntimo? Para além de análises psicológicas ou econômicas, uma nota política aproxima o professor de economia de 2010 do ministro da educação de 2020. Ambos desprezaram o espírito da democracia no sentido da mecânica institucional que encantou Montesquieu, Madison e Tocqueville, em diferentes graus, é verdade.
Weintraub se empolgou, pois no passado, esquerda ou direita pouco importava, momento no qual a liberdade econômica baseada no princípio da ilimitação lhe permitia ser otimista e encontrar repouso na palavra-mãe, a democracia. Imaginou um reino de liberdade e se permitiu projetar a renda per capita de 9 a 15 mil dólares para 2025, em pleno governo Dilma, momento de declarar um “viva a democracia” esvaziado de política. Naquele tempo, era permitido “respeitar as diferenças” e o “direito das minorias” – pelo menos no discurso.
Uma compreensão particular da democracia comporta os dois Weintraubs e deflagra uma linha coerente e perturbadora para pensarmos o que foi a última década na política nacional. A liberdade defendida pelo atual ministro da educação sempre foi a mesma, a liberdade de mercado, aquela que reifica o mundo dos homens e os converte, de forma igualitária, em compradores e vendedores, dentro do círculo mercantil.
Após o fim da guerra fria e do bloco socialista, as críticas direcionadas a estados totalitários se tornaram obsoletas, conjuntura que permite a figuras como Weintraub tecer elogios e sonhar com o belo futuro para o Brasil em pleno governo Dilma, sem se preocupar com os potenciais sentidos ideológicos de seu diagnóstico. Como advertiu o filósofo francês Jacques Rancière, a consagração do capitalismo redirecionou a crítica, que deixa de ter como alvo o socialismo e passa a criticar os “excessos de democracia”, em face do aumento irresistível de demandas que passam a pressionar governos.
Nesse sentido, a continuidade da postura Weintraub é determinada pela compreensão da democracia enquanto reino dos desejos das práticas de mercado ilimitadas. E a mudança fica por conta das exigências sociais decorrentes das crises, quando as concessões assumem a forma da intolerância com as diferenças. Em suma, Weintraub é assim, sempre foi o mesmo, apenas mudou de humor; tal como aquela pessoa que temos em boa conta, julgamos boa gente, no entanto, ao mesmo tempo, poderia perfeitamente estar presente em uma das manifestações pelo retorno do regime militar.
Ao observarmos os dois Wentraubs, o de 2010 e o de 2020, notamos que seu ódio à democracia é decorrente dos sacrifícios em nome do interesse comum, impostos pela crise econômica e, mais tarde, pela pandemia de COVID-19. A bela liberdade do passado ruiu e encontrou sua face mais pessimista, na forma desse personagem capaz de ser o reflexo da década.
É doutor em Ciências Sociais e professor do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, IFCS-UFRJ. E-mail: eduardomoura@gmail.com