Análises

Educação antifascista ou o crescimento da barbárie

É preciso explicar e alertar sobre os perigos do fascismo. E nomear as coisas devidamente é um passo importante para as tentativas de resolução e superação

Na semana passada, dia 27 de março, o Brasil se deparou com mais um ataque violento em uma escola. Dessa vez, um adolescente de 13 anos, armado com uma faca, golpeou profissionais e estudantes na cidade de São Paulo, levando a professora Elisabete Tenreiro à morte. A motivação, de acordo com as reportagens, teria sido uma contenda na semana anterior, em que o agressor teria se envolvido em uma briga, separada pela professora, por ter proferido ofensas racistas contra um colega. O jovem então teria prometido se vingar da educadora. Antes disso, o garoto havia sido transferido de escola por causa do comportamento suspeito, divulgando mensagens ameaçadoras e fotos de armas de fogo. Infelizmente, esse não é mais um caso isolado, nos últimos anos, atentados a escolas, algo que acontecia em outros países, destacadamente nos Estados Unidos, tornaram-se recorrentes no Brasil. De acordo com a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), um levantamento realizado pela Universidade de Campinas (Unicamp), identificou 23 ataques a escolas nas últimas duas décadas. A violência extrema nas escolas brasileiras, porém, tem raízes profundas, ligadas aos problemas sociais que afetam nossa sociedade e que precisamos considerar.

Um dos casos mais tristes e emblemáticos aconteceu na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, também no estado de São Paulo. Nesse atentado, dois jovens armados mataram 13 pessoas e feriram 24. Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, que após os crimes matou seu comparsa, Luiz Henrique de Castro de 25, e depois cometeu suicídio, era seguidor de ideologias nazistas e, buscando superar o atentado de Columbine (EUA) em 1999, tornou-se um ídolo para outros jovens fascistas. Seu túmulo, de acordo com uma reportagem publicada pela British Broadcasting Corporation (BBC) em 2020, recebia homenagens e, uma operação policial para desarticular células nazistas realizada em 2021, publicizada pela mesma BBC e também pelo Universo Online (UOL), identificou seu nome sendo homenageado por membros desses grupos criminosos. A ligação de jovens que cometem agressões verbais, físicas e assassinatos em escolas com discursos e comportamentos fascistas precisa ser entendida e explicada.

Em 1922, na Itália, chegou ao poder Benito Mussolini. Politicamente oriundo do movimento trabalhista, Mussolini desenvolveu com o seu partido Fasci Italiani de Combattimento, uma doutrina política baseada no uso da força, da intolerância, do culto ao líder, da uniformização, do militarismo. Mussolini inspirou outro jovem político, Adolf Hitler, que levaria suas proposições a um nível ainda maior de extremismo. Hitler chegou ao poder na Alemanha em 1933 com o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (da sigla em alemão: NAZI). Na Alemanha nazista a exacerbação e consumação da barbárie foi ainda mais elevada. Veneração de símbolos, racismo, anticomunismo, antissemitismo, aversão a estrangeiros, homossexuais, intelectuais, artistas, entre outros que pensavam e viviam de forma diferente, passou a marcar a realidade no país, até sua expressão mais terrível: o holocausto. Mussolini, figura fundamental na formulação do fascismo, e Hitler, articulador do nazismo (o fascismo alemão), morreram nos meses finais da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Antes disso, eles haviam selado uma aliança, em 1936, Eixo Roma-Berlim, e, junto com o Japão e outros aliados, contribuíram para levar o mundo ao confronto desastroso que resultou na perda de pelo menos 60 milhões de vidas. Contudo, as ideias e práticas fascistas não foram enterradas com essas duas figuras da extrema direita. Na própria Europa muitos se safaram, governos fascistas ou protofascistas persistiram, como em Portugal e na Espanha, além da incorporação de fascistas em outros partidos. No Brasil, o fascismo, por meio da Ação Integralista Brasileira (AIB), com seu lema “Deus, Pátria e Família”, liderada por Plínio Salgado, tornou-se uma força política na primeira metade do século XX. Getúlio Vargas incorporou e utilizou estratégias fascistas durante seu governo, sobretudo na ditadura do Estado Novo. Na segunda metade do século XX, a Ditadura Cívico-Militar Brasileira (1964-85) e outras ditaduras latino-americanas também adotaram e reproduziram concepções e práticas nazifascistas. Há quem diga que não se deve utilizar o termo fascista em debates políticos, até porque a maioria da população não entenderia. Grosseiro engano! É preciso explicar e alertar sobre os perigos do fascismo. E nomear as coisas devidamente é um passo importante para as tentativas de resolução e superação.

Nas últimas décadas o fascismo permaneceu, mesmo que camuflado, mesmo que diluído. Torcidas de times de futebol, clubes de motoqueiros, confrarias elitizadas, grupos de determinados jogos de videogame, entre outros tantos grupos sociais, continuaram a manter e replicar ideias fascistas. Entretanto, especialmente com os abalos nas economias capitalistas pós crise de 2008, iniciada no setor imobiliário estadunidense, novos arranjos capitalistas com graves reverberações políticas, criaram e estimularam condições para que partidos e políticos fascistas ganhassem popularidade. A faceta atual do sistema capitalista, definida como neoliberal, movida por interesses ainda mais abusivos de acumulação de capital estimula, cada vez mais, a atuação de políticos fascistas. Sob diferentes aparências, como o religioso ultraconservador, o “centrista” bonachão, o comediante irresponsável, o empreendedor embonecado e o tecnocrata ignorante, o fascismo avançou. Assim, no Brasil, nos Estados Unidos, na Itália, na Inglaterra, na Ucrânia, na Hungria, na Índia, no Chile, referências políticas fascistas ganharam projeção. O governo bolsonarista, identificado com o fascismo, realizou e fortaleceu ações violentas.

Voltemos às escolas, considerando que os problemas presentes nas escolas são os problemas do mundo. Atualmente, as escolas públicas e particulares (essas últimas, manifestaçações da apartação social) no Brasil estão infestadas de reverberações fascistas. Professores bolsonaristas, materiais didáticos apostilados limitados em termo de criticidade, componentes curriculares esvaziados de conhecimento científico, burocratização e autoritarismo nas práticas de ensino, difusão de ideologias pautadas no empreendedorismo, na competitividade e no individualismo, são exemplares. Afinal, como demonstram as pesquisas, a desagregação do mundo do trabalho, das perspectivas de futuro e do incentivo verdadeiro às práticas de solidariedade do capitalismo neoliberal coadunam perfeitamente com a retórica do ódio e destruição do fascismo. Não nos esqueçamos das análises do filósofo Theodor Adorno: “deve-se prestar atenção à destrutividade como fundamento psicológico do espírito fascista (...) Não é acidental que todos os agitadores fascistas insistam na iminência de catástrofes de alguma espécie. Enquanto advertem de perigos iminentes, eles e seus seguidores se excitam com a ideia da ruína inevitável sem sequer diferenciar claramente entre a destruição de seus inimigos e de si mesmos (...) Este é o sonho do agitador: uma união do horrível e do maravilhoso, um delírio de aniquilação mascarado como salvação (ADORNO, 2015, p. 152). Portanto, é preciso repensar a escola – e a sociedade, isso implica sua base econômica capitalista – para ofertarmos condições de outro tipo de sociabilidade, sem gritos, deboches, abandono, precariedade, discursos moralistas, produtividade absurda e com ausência de sentido, e possibilitar cultura, cuidado, responsabilidade, ciência e recursos em educação. Porque pobreza e violência não se combatem com lições de pobreza e violência, e sim com riqueza e encontros. É urgente o desenvolvimento da educação antifascista!
 

P.S.: no dia em que fazia a revisão desse texto para enviar para publicação, outro caso aconteceu; em Blumenau, Santa Catarina, um jovem de 25 anos invadiu uma creche e matou quatro crianças.


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Para saber mais:

Território Coletivo Educação: por uma educação antifascista. Entrevistados: Felipe Godoi, Cleiton Corrêa Tereza, Telma Vinha. Coletivo Educação de Poços de Caldas, 22 de mar. 2023, Podcast. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/2omL6OuPRsC5AyAAZGtqWh. Acesso em 02 de abril de 2023.

Quebrar a máquina de fazer bolsomínios. In. PARO, Vitor Henrique. O Capital para educadores: aprender e ensinar com gosto a teoria científica do valor. São Paulo: Expressão Popular, 2022.

Cleiton Corrêa Tereza
Cleiton Corrêa Tereza

É professor de História nas redes municipal e estadual em Poços de Caldas, especialista em História Contemporânea (PUCMinas), especialista em Planejamento, Implementação e Gestão de Educação a Distância (UFF), mestre e doutor em Ciências Humanas (Diversitas-FFLCH-USP), integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração Escolar (GEPAE-USP), membro do Coletivo Educação de Poços de Caldas e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.